Parecer sobre a dissertação de mestrado do prof. Hamilton Saraiva

By nezitoreis |

CARTA À FUNARTE

 

São Paulo, 17 de dezembro de 2008

À

FUNARTE

Aproveitei uns dias de férias e me debrucei na tese de Mestrado do Professor Hamilton Saraiva. O parecer que elaborei, ficou restrito (talvez), em função da proximidade que mantínhamos: Saraiva e eu. Nossa convivência estendeu-se de 1970 (quando entrei para o Grupo Jambaí), até seus últimos dias de vida, quando nos deixou em Fevereiro de 2005.

O grande volume de material (574 páginas) da tese, não me desanimou, ao contrário, recebi com grande alegria, a responsabilidade deste parecer. Espero que o mesmo tenha alguma utilidade para a Fundação e, que haja empenho na publicação da obra do Professor Dr. Hamilton Saraiva. No mais me ponho à disposição para qualquer dúvida que eu possa esclarecer.

Um grande abraço,

Nezito Reis

 

Texto do parecer

 

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PARECER SOBRE A DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DO PROFESSOR HAMILTON SARAIVA

Em 1970 entrei para o Grupo Jambaí, sob Direção de Hamilton Saraiva. Trinta e oito anos depois, recebo o convite da Funarte, para eu dar um parecer sobre a tese de Mestrado do Professor Hamilton Saraiva. Tese esta apresentada ao Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), sob orientação do Professor Dr. José Eduardo Vendramini.

Foi com enorme contentamento que recebi essa tarefa. São 574 páginas que compõem o conteúdo da tese. Embora ciente da enorme responsabilidade, botei a mão na massa, ou melhor, a cabeça para trabalhar. A tese traz uma pesquisa aprofundada sobre iluminação cênica. Pelo que sei, essa dissertação foi a primeira (e talvez a única) apresentada nos meios acadêmicos no Brasil, sobre esse tema.

Hamilton Saraiva (meu Guru), inicia sua pesquisa em 408 A.C., com a apresentação da tragédia grega Orestes. Como é sabido de todos (ou quase todos), a luz usada durante vários séculos era a luz do sol.

“Por muito tempo ainda vamos continuar a assistir a espetáculos teatrais com esse tipo de iluminação singela...

As representações, portanto, são feitas à luz do dia e ao ar livre e não se cogitava outra forma de ser por essa época.”

A tese do Professor Saraiva é de ótimo conteúdo. Um material de grande utilidade para quem faz teatro, para quem ensina teatro, para quem estuda teatro e, principalmente estuda e trabalha com iluminação cênica.

Recomendo a todos que usufruam desta obra, de inestimável valor.

“Por dois mil anos, nosso teatro não necessitou outro tipo de luz que não fosse o sol. Durante o Renascimento Italiano, todavia, o teatro gradualmente se transporta aos interiores. Os espetáculos são apresentados nos jardins dos palácios dos nobres e os artistas famosos da época, como Michelangelo e Leonardo da Vinci, são chamados para ajudar na realização desses espetáculos.”

Na pesquisa, Hamilton Saraiva traz ainda dados de cenografia em perspectiva e cita também vários construtores, e entre os mais conhecidos destacam-se: Rafael Bramante e Sebastiano Serlio. Saraiva cita ainda, Giovanni Batista Alleotti (1546-1636) e Giovan Torelli (1638-1678), que tinha fama de um verdadeiro mago da cena.

“Giovani Lourenzo Bernini, outro construtor e cenógrafo, entre 1638 e 1639 levou o fogo e a água não só para o palco, como também para a platéia realizando efeitos que às vezes assustavam os espectadores a ponto de fugirem, causando ferimentos graves em muitos freqüentadores.”

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Durante mais de três séculos a iluminação era feita com velas, círios, lâmpadas de azeite ou lâmpadas de óleo. Essa iluminação provocava tanta fumaça, que às vezes era necessário evacuar as salas para uma ventilação. Posteriormente foi utilizado o gás.

“A despeito do calor e da fumaça (embora tênue) produzidos pelo gás, esse tipo de iluminação gera efeitos nunca dantes vistos. A luz que emanava dos bicos e, mais tarde das “camisas”, foi logo comparada à luz natural e todas as partes do palco podiam ser vistas com igual luminosidade. Mais tarde, com a adição de espelhos refletivos, a luminosidade teve uma melhora evidente.”

Depois do advento da luz elétrica a iluminação cênica tomou novos rumos. Os teatros correram para se adaptarem à nova realidade. Thomas Edison inventou a lâmpada elétrica e outros inventores criaram os Spots: Fresnel, Plano Convexo (PC), Elipsoidal e uma infinidade de aparelhos para iluminação cênica. Até os dias de hoje continuam as invenções e, mais uma gama de tipos e modelos de refletores denominados: Par, Setlight, Pimbim, etc., que facilita muito a vida do iluminador. Sem esquecer, claro, das mesas com dimmer e as de última geração; as mesas digitais (computadorizadas) e ainda os leds, que parecem uma epidemia.

A dissertação do Professor Saraiva, além de conteúdo primoroso, traz ilustrações de peças da antiguidade, com fotos e desenhos. Traz ainda gráficos e desenhos diversos de como montar um dimmer e de como montar mesas de luz artesanal. Lembro-me muito bem, que no período de 1970 a 1978, quando estive no Grupo Jambaí, ele havia construído pequenas mesas de luz, que atendiam perfeitamente nossas necessidades nas montagens daquela época. Eu mesmo junto com Antonio Bezerra, construímos sob orientação do Hamilton, várias mesas de luz que atenderam ao Teatro do Bixiga, Fundação CESP, Teatro Municipal de Ribeirão Pires, Fundação das Artes de São Caetano do Sul, e algumas para grupos de teatro, de cidades do interior de São Paulo.

O Hamilton era uma pessoa muito generosa, ensinava tudo o que sabia para nos. Durante a sua vida ministrou mais de uma centena de cursos de iluminação no Brasil e no exterior. Formou vários iluminadores que atuam até hoje no mercado brasileiro. Eu não só aprendi iluminação, como aprendi também a lecionar a matéria, sempre sob orientação do Professor Hamilton Saraiva. Ele partiu em fevereiro de 2005, nos deixando um vazio enorme. Um vazio no teatro brasileiro e em nossos corações, principalmente nos corações daqueles que aprenderam com ele a arte de iluminar.

Há de se levar em conta também as pesquisas do Professor Saraiva, em relação às cores, exercícios que ele aplicava no Grupo Jambaí e também os experimentos que fazia nos cursos que ele ministrava. Suas experiências também eram desenvolvidas com alunos no meio acadêmico na ECA/USP. A tese traz ainda uma tabela de cor luz e cor pigmento, de grande utilidade no exercício de iluminar.

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Dentre vários nomes do teatro brasileiro citados por Hamilton Saraiva em sua dissertação encontram-se: Diretores, Dramaturgos, críticos, Cenógrafos, Iluminadores, etc. Destaco nomes que conheci pessoalmente ou ainda pessoas com as quais trabalhei: José Eduardo Vendramini, Fausto Fuser, Armando Azari, Clovis Garcia, Décio de Almeida Prado, Celso Nunes, Aparecido André, Fernando Muralha, Nery Gomide, Ruth Escobar, Orlando Miranda, Pascoal Carlos Magno, Rubens Brito, Frederico Newmann, Marcio Aurelio, Irênio Maia, Jacó Guinsburg, Maurice Veneau, Flávio Rangel, Aziz Bajur, Honório Marin, Irmãos Bonfanti, César Vieira, Gianfrancesco Guarnieri, Antunes Filho, Abel Kopanski, Cláudio Lucchesi, Emilio Fontana, Gian Carlo Bortolloti, Iacov Hillel e Francisco Giachieri.

Esses nomes que destaquei representam aproximadamente 10% de todos os nomes que Hamilton Saraiva citou em sua tese. Nomes do Teatro Brasileiro E Universal, desde os gregos. Destaquei ainda a palavra iluminação que aparece nada menos do que 554 vezes, iluminador: 88 vezes, o inglês Gordon Graig: 49, o suíço Adolphe Appia: 47, Ziembinski; 28, Bertolt Brecht: 27, William Shakespeare: 17, Naturalismo: 22, Expressionismo: 21, Realismo: 17, Renascimento: 15, Simbolismo: 12, Romantismo: 11 e ainda Surrealismo, Ilusionismo, Construtivismo, que não anotei a quantidade que cada um aparece. Não posso deixar de anotar: Arthur Azevedo: 06 vezes, David Garrck: 05, Iñigo Jones: 06, Luis Jovert: 06, Mario Nunes: 05, Martins Penna: 05, Molière: 05, Nicola Sabattini: 06 e Sebastiano Serlio: 06.

Espero que este parecer possa contribuir para a finalidade a que a Funarte se propõe. Espero ainda que tão logo seja editada a tese do Professor Dr. Hamilton Saraiva, seja distribuída a todas as Universidades brasileiras, estatais ou não e, principalmente àquelas que tenham em seus quadros, em suas grades, cursos de teatro. Com certeza que todos ficarão gratos por essa iniciativa pioneira.

São Paulo, 17 de dezembro de 2008

Nezito Reis